Francisco Carvalho
Tangedor de camelos
Árabe, tangedor de camelos
íntimo do deserto
e das areias
tocava lentamente as caravanas
guiado pelo odor da água
a setenta léguas
de algum oásis sonhado
pelos beduínos
e também pelo cheiro de sândalo
dos seios das dançarinas
ao luar dos gumes das adagas.
Lavoura
As minhas mãos
já foram robustas
já plantaram
sementes de milho
nas terras dos filisteus
hoje só semeiam
as lavouras do adeus.
Poema para escrever no asfalto
Agora eu sei o quanto basta à ceia do coração
e o quanto sobra do naufrágio
das nossas utopias.
Agora eu sei o que significa a fala dos mortos
e esta parábola soterrada
que jorra das veias da pedra.
Agora eu sei o quanto custa o ouro das palavras
e este pacto de sangue
com as metáforas do tempo.
Agora eu sei o que se passa no coração de treva
e do homem que morre mendigando
a própria liberdade.
Agora eu sei que o pão da terra nunca foi repartido
com a nossa pobreza
e com a solidão de ninguém.
Agora eu sei que é preciso agarrar a vida
como se fosse a última dádiva
colocada em nossas mãos.
FRANCISCO CARVALHO (1927)
É, essencialmente, poeta. Autor de dezenas de livros do gênero, dentre os quais se destacam Canção Atrás da Esfinge (1956), Do Girassol e da Nuvem (1960), O Tempo e os Amantes (1966), Dimensão das Coisas (1967), Memorial de Orfeu (1969), Os Mortos Azuis (1971), Pastoral dos Dias Maduros (1977), As Verdes Léguas (1979), Rosa dos Eventos (1982), Quadrante Solar (1983) - Prêmio Nestlé de Literatura, As Visões do Corpo (1984), Barca dos Sentidos (1989), Rosa Geométrica (1990), Exercícios de Literatura (1990), O Tecedor e sua Trama (1992), Crônica das Raízes (1992), Flauta de Barro (1993), Galope de Pégaso (1994), Soanta dos Punhais (1994), Artefatos de Areia (1995), Textos e Contextos (1995), Rosa dos Minutos (1996), Raízes da Voz (1996), Os Exílios do Homem (1997). Membro da Academia Cearense de Letras.