Literatura Cearense

Name:
Location: Fortaleza, Ceará, Brazil

Tuesday, September 05, 2006

Pacheco Espinosa

Soneto

Alegrai-vos ó Chefe eslcarecido
Pois que extinta está a cruel guerra:
Já respira alegria toda a terra,
Já se esquece do que tem padecido.

Alegra-vos, Congresso enobrecido,
Que a paz, a Santa paz que o mal desterra,
A guerra afugentou que tudo aterra,
E tudo deixa a cinzas reduzido!

Venceu a justa causa: aniquilidado
Esse monstro ficou, esse Tirano,
Que há de perpetuamente ser odiado.

Regozija-te é bravo lusitano!
Vivas repete, Exército aliado!
Exulta de prazer, Americano!

Soneto Para o Chafariz da Vila Fortaleza

Esta que vês, curioso passageiro,
Límpida Fonte, clara, sussurante,
De cristalinas águas abundante,
Que o Sítio faz ameno, e lisonjeiro:

Este manancial de água, o primeiro
Que fez surgir na Vila arte prestante,
Para a sede saciar o caminhante,
O sábio, o nobre, o rico, o jornaleiro:

Edificada foi incontinenti,
No memorável, óimo Governo,
De Sampaio, Varão reto, ciente.

Como ao Povo mostrou amor Paterno,
Para todo o seu bem foi diligente,
Nesta Fonte deixou seu nome eterno.

Soneto Ao Aumento da Vila de Fortaleza

Vai, ó Fama, por toda redondeza,
Publicando por tuas bocas cento,
Do Ceará que foi pobre o muito aumento,
A grende exportação, suma riqueza.

Dize que ja se vê fausto e grandeza,
Na sua Capital do Chefe assento:
Que polícia já tem, tem luzimento,
E tem o que não tinha, Fortaleza.

Dize que do Governo a alta mente
Estas ob ras brotou assaz louvadas,
Por todos, sim, por todos geralmente;

Erários novos, rampas e calçadas,
Aterro, Chafariz, Aula excelente,
Novas ruas, muralhas elevadas!


JOSÉ PACHECO ESPINOSA (? - 1814)
Originário da Ilha da Madeira, foi um dos principais comerciantes de Fortaleza entre o final do século XVIII e o início do século XIX. Era do chamado grupo dos Oiteiros, membros da elite local que se reuniam no palácio do então governador do Ceará, Manuel Inácio Sampaio.

Sunday, September 03, 2006

Temístocles Machado

Borrasca

Fora, torcendo as árvores, gargalha
A tempestade em rugidora festa;
Como o rude estridor de uma batalha,
Ruige o trovão nas comas na floresta.

A treva desenrola-se funesta
Nos ermos,como lúgubre mortalha;
A luz relampejante as flores cresta
E o ventoas grandes árvores esgalha.

Aterradora indômita, selvagem,
Tudo arrasta na hórrida passagem
A potência ciclópica das ventas.

E eu, triste e só, pergunto à noite escura:
Será maior que a minha desventura
A fúria colossal dos elementos?


IRONIA DAS FLORES
I

Foi na deserta e flórida avenida,
De um sol de Maio rútilo doirada,
Que me disseste o adeus da despedida
Convulsamente em lágrimas banhada.

Repetias chrando em voz magoadas
"Hei de amar-te por toda a minha vinha".
Tinhas sobre o meu peito a delicada
Fronte, n'esse desânimo, pendida.

Os passarinhos pelos arvoredos,
Ouvindo as doces notas que soltavas,
Souberam nossos íntimos segredos.

As brisas pelas árvores gemiam...
E na alameda, enquanto tu choravas,
Como eterno contraste as flores riam.

II

Depois de larga ausência dolorosa,
Através de desertos e de espinhos,
Volvi à terra onde deixei-te ansiosa,
Oh! visão dos meus íntimos carinhos!

Pela triste avenida silenciosa
Cantavam tristemente os passarinhos
Aquela endecha trêmelula e queixosa
Que tu, leviana, confiaste aos ninhos.

Rindo, a outra dizias, no entretanto,
Essa história de amor, hoje desfeito,
Que juraste a meus pés banhada em pranto.

As brisas pelas árvores cantavam...
Enquanto tu sorrias satisfeita
Como que as flores nos vergéis choravam.

Consolatio Miseris...

Eu escrevo versos para os desgraçados,
Falando aos corações dos infelizes,
Peas garras do tédio lacerados,
Sangrando como rubras cicatrizes.

Talvez no leito vil das meretrizes,
Na masmorra onde gemem condenados,
Possam cortar as sôfregas raízes
De cancerosos tédios ignorados.

Eu canto para alívio dos que choram,
Para os que, como eu , de joelho, imploram
Na treva a luz bendita de um carinho.

Canto para espancar as mágoas; canto
Para enxugar ao som do verso o pranto
Que vejo derramado em meu caminho!


TESMÍTOCLES MACHADO (25 de agosto de 1874 - 5 de agosto de 1921)
Nascido em Limoeiro, participou ativamente da vida intelectual cearense do fim do século XIX, na Padaria Espiritual (com o pseudônimo Túlio Guanabara) e no Centro Literário. Advogado e jornalista, viveu também no Rio de Janeiro e no Amazonas. Publicou Mirtos (1897), prefaciado por Valentim Magalhães (da Academia Brasileira de Letras), A Fileteida (1898), A Esmola (1900), O Maldito (1901), Pela República (1902), Invocação de Vítima (1904), além de um romance e um livro de biografias incompletos. É trisavô do autor desta página.

Saturday, September 02, 2006

Beni Carvalho

O Flamboyant

Forte, esgalhado, heril, o flamboyant, de flores
Rubras, na antiga fronde, ostentava a vitória
Da púrpura triunfal, na opulência da glória
Do sol, no alto do Azul, todo em chama e fulgores.

Lutou. Venceu heróico! A conquista, na história
Vegetal, alcançou n o meio de esplendores:
- Ora, altivo, pompeando à luz as rubras cores;
- Ora, verde, a cantar a Esperança ilusória!

Hoje, porém, descansa o flamboyant por terra,
Sangrente a floração, circundando-o, morrendo,
à agonia mortal, que o seu martírio encerra:

- Egrégio lutador que, na refrega, exangue,
Fulminado, semelha, a cair, combatendo,
Um cadáver de herói, salpintado de sangue!


BENEDITO (BENI) AUGUSTO CARVALHO DOS SANTOS (1886-1959)
Nascido em Aracati, bacharelou-se na Faculdade de Direito do Recife em 1911, tendo sido, professor da Faculdade de Direito do Ceará. No Exército, atingiu o posto de general. Foi vice-presidente, Deputado Federal e Interventor Federal no Ceará (1945-1946). Publicou Causas Dirimentes e Flagrante Delito (1917), Na Casa de Tiradentes (1931), De Flore e Luvas (1935), Sexualidade Anômala no Direito Criminal (1937), Chama Extinta (1937, seu único de poesias), Ação Parlamentar (1950), Crimes Contra a Religião, os Costumes e a Família.

Carlyle Martins

As Lágrimas do Angico

Faz anos que nasceu, em terrenos adustos,
Aquele pé de angico, esbelto e senhoril,
No amplo seio da mata, entre frágeis arbustos,
Tendo em cima o esplendor do vasto céu de anil.

À hora do entardecer, de temores e sustos,
Na tristeza de agosto ou na glória de abril,
Chora o tronco do angico, entre os troncos vetustos,
Alongando no espaço o alto e estranho perfil.

Espalham-se em redor as sombras vespertinas!
O angico, derramando o pranto das resinas,
Fica esperando a luz magnífica do luar.

- Como tu, vive alguém, no deserto da vida,
Procurandoo do amor a miragem perdida,
Ó velho angico ansioso e exausto de chorar.


CARLYLE DE FIGUEIREDO MARTINS (1899-1986)
Natural de Fortaleza, foi um dos poetas mais profílicos de sua época, tendo publicado, dentre muitos outros trabalhos, Evangelho do Sonho (1931), Caminho Deserto (1934), Colheita de Rosas (1938), Ânfora de Estrelas (1940), Paisagens do meu Destino (1957), Sinfonia do Entardecer (1966), Pássaro Errado (1968) e Mensagem das Horas Tardias (1972). É considerado o último "parnasiano histórico" do Ceará.

Antônio Furtado

A Colméia

Sob a umbela e o frescor de armo bosque olvidado,
Num recanto de selva, entre lírios e glastos,
Havia um tronco ancião, desnudo, abandonado
Gigante, ergendo no ar os fortes membros vastos.

Nele - negro espinheiro, anoso, esburacado,
Gazil, veio poisar, entre os vermes nefastos,
Um enxame de abelha. E, no cerne esvurmado,
Um cortiço se ergueu sobre os tecidos gastos.

Um rude lenhador, que ali passou, um dia,
O tronco derribou, vibrando a acha que fulge,
E o claro mel colheu, dentre a cera sombria.

E, em troca, a áurea colméia, em bando inquieto e loiro,
Cercando o lenhador, brilha, zumbe, refulge,
E envolve-lhe a cabeça em uma auréola de oiro.



ANTÔNIO FURTADO BEZERRA DE MENEZES (1893-1939)
Natural de Quixeramobim, publicou apenas História Azul (1921). Foi poeta marcadamente parnasiano.

Mário Linhares

A Seca

Ceará. Pleno sertão. Agosto. Um sol de brasa
Queima impiedosmanete o ventre da floresta.
O ar, pesado, asfixia. O espaço nem uma asa
De ave corta. A adustão flores e frutos cresta.

Fuzila o dia. Em fúria, o vento, dentre a fresta
De abertas rochas, silva. À sede que o abrasa,
O touro escarva o chão e ao mormaço da sesta,
A dor da planta à dor dos pássaros se casa.

Nenhum riacho a colear o amplo seio do bosque.
É ardente o slo, é murcho o arbusto, é triste o prado;
E nenhuma hera ao tronco anoso há que se enrosque.

Calma. Pela esplanada apenas se ouve o pio
Dos anuns e o mugir convulsivo do gado,
Sob a cáustica luz desses dias de estio.


MÁRIO RÔMULO LINHARES (1889-1965)
Nascido em Fortaleza, cultivou a poesia parnasiana durante a maior parte de sua vida. Entre seus livros, destacam-se Florões (1912), Evangelho Pagão (1917), Poesias (1937), Ascensão (1953) e Contas Sem Fio (1961).

Friday, September 01, 2006

Júlio Maciel

Jacarecanga

Rebelde e forte, aqui, outrora se implantava
A taba indiana - aqui, onde a alma lua cheia,
Pródiga, a derramar em cachões a luz flava,
- Agora a estes casais a fachada clareia.

Quanta vez trom de inúbia, entrechocar de clava
Não vibrou pelo azul que sobre mim se arqueia!
Praia! o tropel da tribo em correria brava
Quanta vez não sentiste a sacudir-te a areia!

E embora tu, Passado, a lenda antiga escondas,
Eu sei que o amor também floriu aqui: - no treno
Da aragem, no marulho eloqüente das ondas, -

Parece-me inda escuto, em meio à noite clara,
- O selvagem rumor dos beijos de Moreno
E as falas de paixão da meiga Tabajara!


Os Grous

Por sobre a serra e o vale, a tribo aventureira
Dos grous em fuga passa a pleno firmamento,
- Libérrima e veloz, em compacta fileira,
Alto, a pompear ao sol o plumacho opulento.

Súbito, o vale e a serra atroa arma traiçoeira,
E, qual se a elas movera humano entendimento,
Eis as aves sustém infeliz companheira,
Que no ar rodou, fechado o remígio sangrento!

E enquanto um caçador, a carabina em pouso,
Faiscantes, presos no ar, os olhos como brasas,
A sua opima caça, abaixo, aguarda, ansioso,

Alto, a pompear ao sol, lá vão os grous em bando,
Irmanados lá vão! nas protetoras asas,
Espaço acima - o grou moribundo levando!


JÚLIO BARBOSA MACIEL (1888-1967)
Nascido em Baturité, cursou Direito na Faculdade Livre de Direito do Rio de Janeiro. Em 1925, participou da eleição do jornal O Povo para escolher o primeiro Príncipe dos Poetas Cearenses, mas foi derrotado pelo Pe. Antônio Tomás. Publicou Terra Mártir (1918) e Poemas da Solidão (1943). Em Poemas Reunidos, de 1986, toda a sua obra foi republicada. Morreu em Fortaleza.

Carlos Gondim

As Ondas

Rolando as algas e lambendo as fragas,
Passam as ondas, céleres e frias,
- Formas nervosas de Nereidas vagas,
Esculturas de espumas fugidias.

Ora em coréias, como estranhas magas,
Recamadas de argênteas pedrarias,
Entoando ritos e cuspindo pragas,
Chegam para o sabbat das ardentias.

E, cheias de ânseias, cheias de desejos,
Ora, como serpentes enlaçadas,
Germem suspiros e soluçam beijos...

E, loucas, retorcendo-se na areia,
Como outras tantas Heros desgrenhadas,
Morrem, na praia, que o luar prateia.


As Cimbúlias

Irrequietas, à flor das ondas, em cardumes,
Ora róseas, abrindo as asas, ora azúleas,
Vogam na espuma argêntea, em seus radiosos lumes,
Como efêmeros sóis, errantes, as Cimbúlias.

Centenares, ao léu das vaga, em cerúleas
Conchas, de burgalhões e remotas negrumes
Surgem, bailando ao som de misteriosas dúlias,
Haurindo à equórea planta os estranhos perfumes.

Loucas, no amplo lençol das águas espumantes,
Brincam: - e é todo o mar refúlgida Golconda
De topázios, rubis, safiras e diamantes...

E, volúveis, ruflando as asas sobre as vagas,
Em farândola ideal, elas vão de onde em onda:
- Borboletas do oceano, adormecer nas fragas.


CARLOS GONDIM (1886-1930)
Nascido em Aratuba, foi um "boêmio incorrigível", nas palavras de Sânzio de Azevedo, chegando a envolver-se no mundo crime e a ser cumprir vários anos de prisão. No cárcero, leu e escreveu bastante. Foi assassinado, e o crime jamais esclarecido. Publicou Ode Republicana (1915), A Tortura do Artista (1915), Poemas do Cárcere (1923) e Ânsia Revel (1929).