Literatura Cearense

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Location: Fortaleza, Ceará, Brazil

Thursday, August 31, 2006

Américo Facó

Os Sátiros

De corpos nus, por entre a espessa mata, o bando
Dos Sátiros se interna em constante procura:
Ora um se adianta, além, na intrincada espessura,
E ora outro mais se afasta - olhos fitos, buscando...

Esse, que tem no lábio o rubescente e brando
E esplêndido frescor de uma fruta madura,
Abre o lábio a sorrir.. Vendo aquele a frescura
De uma corrente, bebe a água que vai rolando...

Soa ao longe um rumor! O ardente bando, à espreita,
Aquieta-se. E por fim, loiras, nuas, aflantes,
VÊm as Ninfas, a rir, descuidosas, sem vê-los...

E os Sátiros, que à sombra esperavam na estreita
Passagem, de repente erguem-se - e os mais amantes
As prendem, lhes cingindo a cintura e os cabelos...


Ilusão do Inverno

Sonho o inverno - eis o inverno: eis a chuva que chega!
E a terra eis como um ser que ressucita! o orgulho
Da vida corre após do carvalho ao tortulho.
O aguaceiro de abril vales e campos rega.

E a flor! E o fruto! E o aroma! - Aves, no doce arrulho
- Um Desejo que busca e um Pudor que se entrega -
Vão a fugir, casal na amorosa refrega.
Aos regatos ouvindo o constante marulho.

A sementeira farta abrolhando no rudo
Paul da terra é tão rica e tão boa! A setembro
Hemos tê-la sem par... - Mas o torpor sacudo:

Ilusão! Que é ilusão isso tudo, me lembro!
- A terra, estéril jaz sem produzir - e em tudo
O implacável calor deste sol de novembro!...


AMÉRICO DE QUEIROZ FACÓ (1885-1953)
Nasceu em Beberibe, transferindo-se, em 1910, para o Rio de Janeiro. Publicou poemas em vários períodicos de seu tempo, como no Jornal do Ceará e no Álbum Imperial, de São Paulo. Em 1951, renegando tudo o que produzira no Ceará, publicou Poesia Perdida.

Cruz Filho

A Canção da Cigarra

E a velhice aí vem. Vem com os seus frios
Com o seu tristonho, o seu brumoso inverno,
E os céus, que eram azuis, ficam sombrios,
Desfaz-se o tempo que eu supunha eterno!

Flavos dias de sol, quentes estios,
Brando enlevo romântico e superno,
Que eu cantando passei - ei-los vazios,
Meus castelos de Sonho - ao vir do inverno!

Consumi, na loucura mais bizarra,
Chamando embalde uma perpétua ausente,
minha existência inútil de cigarra!

Paixão maldita! Desvairado anseio
Da cigarra, que invoca, inutilmente,
A doce companheira não veio!


A Ilusão do Sapo

Aos pinchos, pela sombra, indolente e moroso,
O batráquio estacou do fundo poço à borda,
E um momento quedou, como quem se recorda,
Surpreso ante a visão do poço silencioso.

Ao fundo, onde do céu, que de nuvens se borda,
Reflexa a imagem vê - pelo céu luminoso
Vê da Lua pairar o áureo disco radioso:
E o disforme animal de júbilo transborda...

Um momento quedou, mudo e perplexo. Ao centro,
A tentá-lo, a ilusão do astro de ouro flutua,
E o monstro eis que se arroja, a súbitas, dá dentro...

E a água convulsionou-se em círculos ondeantes,
num naufrágio de luz, em que perece a Lua,
dissolvida em rubis, topázios e diamantes.


JOSÉ DA CRUZ FILHO (1884-1974)
Nasceu em Canindé, Ceará, saiu de lá somente aos trinta e quatro anos, vindo a publicar, aos quarenta, seu primeiro livro, Poemas dos Belos Dias (1924). São seus, ainda, Poesia (1949) e Toda a Musa (1965). Eleito, em 1963, Príncipe dos Poetas Cearenses, tendo sido o segundo a receber esta láurea.

Alf. Castro

Morte de Pã

Estendido no chão, no mais denso e profundo
Do bosque, dorme Pã. Dorme e fala. Delira.
Deixai-o descansar, que o deus é moribundo.
Vede-lhe a avena ali: por seu sopro suspira.

Mas encontram-no, acaso, as ninfas. Sobre o imundo
Fauno, que as perseguia, elas todas, em ira,
Com chufas e bastões lançam-se agora, a fundo,
Até que o deus, gemendo e soluçando, expira.

Então, uma, sem dó, os chavelhos lhe arranca;
Outra os olhos lhe espeta; outra lhe rasga a boca;
Outra, com a própria avena, o pé de cabra lhe espanca.

Depois, dando-se as mãos, ébrias do mesmo gozo,
O bosque inteiro atroando, em grita imensa e louca,
Dançam em derredor do sátiro asqueroso.

Cena Marinha

Nadando, acaso, sobre a emaranhada tela
Das algas, dos corais, dos pólipos gigantes,
Um tritão encontrou uma jovem sereia
Divagando, a cismar cismas de almas amantes.

Logo, o monstro marinho, inflamando-se, anseia
Por abraçá-la e tê-la. Ela o sente. Mas, antes
Desejando morrer, foge do monstro, cheia
Do mais justo pavor dos seus olhos chispantes.

Sobe. Apressa-se mais. Chega, por fim, à tona
Das águas. O tritão chega também. Desata,
Após ela, a correr - mais e mais a ambicina.

E, na porfia, os dois, em disparada, às soltas,
Voam. Na flor do mar há fulgores de prata
E um contínuo chofrar de águas e águas revoltas.


ALFREDO DE MIRANDA CASTRO (1873-1926)
Nascido em Pernambuco, foi o principal poeta do Parnasianismo, no sentido francês do termo, no Ceará. Em vida, publicou apenas De Sonho em Sonho (1906), já aqui em Fortaleza. A Universidade Federal do Ceará, em 1999, publicou o seu livro inédito Ocaso em Fogo.