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Location: Fortaleza, Ceará, Brazil

Tuesday, November 22, 2005

Virgílio Maia


Alvenaria

Sobre pedras se eleva este soneto,
em trabalhosa faina alevantado,
as linhas definidas no traçado
da perfeição do prumo e nível reto.
Dentre tantos eleito, põe-se ereto
rima por rima, embora recatado;
ao martelar do metro faz-se alado,
opondo ao som a luz deste quarteto.
Sobre andaime de verso e de ciência
necessário a erguer prova tão dura,
deixa o pedreiro, alçado, o rés-do-chão.
E sobranceiro ao mundo, àquela altura,
Vai concluir, com brava paciência,
A obra em que balança o coração.


Ilumiara


Quem pintou essas pedras no Sertão,
nessa tinta que nunca mais se apaga?
E para quem nosso ancestral pintava
brutas cenas de caça e aquela mão?
Tais secretos mistérios estarão
insondáveis nas cores dessas aras:
candelabros ou onças vermelhadas,
mais figuras que seguem em procissão.
Contou-me um dia uma mulher velhinha
que numa noite escura el a passou
se benzendo de medo pela Pedra.
E viu, jurou que viu, vinha sozinha,
que o enorme Gavião se desgarrou
da pintura, gritando feito a Fera.


Canudos não se rendeu


Foi ontem, claro dia de mais sol
(me haviam dito: tudo se findou:
que o futuro da gente se acabou,
não havendo sequer mais um farol).
Nas foi ontem um dia luminoso:
fui ao trabalho em alta andaimaria
e vislumbrei de lá, ao meio-dia,
sobrepujando um tempo desditoso,
eu pude ver, não se entregou ainda,
ainda peleja, a luta não é finda,
belo Arraial de Sempre onde se viu
ser o homem possível. Pois foi isto
que noutro dia me afirmou ter visto
um operário em construção civil.


Um bujão de gás

Prateado, bojudo, gordo, anão,
num escuro recanto relegado,
humilde é Prometeu acorrentado
por plástica corrente a um fogão.
Traz no bojo ancestral ignição
ofertada da chama no azulado,
na memória assoprando inesperado
espeleológico arco de um tição.
Reside nele a flama do carvão,
labareda eternal em combustão,
homenagem de fogo a quem ousou:
homem primevo, rude antepassado,
que acendendo o futuro, desgrenhado,
num gesto só o fogo arrebatou.


VIRGÍLIO MAIA (1954)
Nascido em Limoeiro do Norte. Advogado formado pela UFC. Dedicado à poesia e à etnografia. Ligado ao movimento armorial, seguindo as tradições nordestinas. Autor dos livros Palimpsesto (1992), España: doce ciudades y uma aldeã (1993), Via-Sacra Sertaneja (1996), Inscrição mural (1996), Palimpsesto & Outros Sonetos (1997), Estandartes da Tribo de Israel (2001), Cartilha (2002), Timbre (2002) e Recordel (2004), poesia; Álbum de iniciação à Heráldica das Marcas de Gado (1992, revisto e ampliado em 2004), etnografia. Da Academia Cearense de Letras, assim como seus irmãos Napoleão e Luciano.

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