Luciano Maia
Ao irmão Nadim, morto
Os olhos descansando
sob as pálpebras da eternidade
mas um sorriso indisfarçável
rondando o corpo ausente
a nós abraçado.
Os olhos descansando
das miradas severas
e descansando os olhos
do generoso gesto
do carinho paternal
do mais generoso gesto
do carinho marginal.
Em teu adeus, irmão maior,
duas árvores perfiladas ao poente
eram a presença mais serena
e todas as árvores do mundo
pareciam guardar o teu sono
sob as pálpebras da eternidade.
Por um momento pensei
encontrar a Deus entre nós,
severo e risonho como tu, irmão maior.
Doeu-me como um lajedo
doeu-me como uma pena
a escuridão do jazigo
à que chegou o teu corpo
desterrado e só, amigo
meu irmão querido, morto.
Mas em volta a mata amena
saudou-nos com em outrora
e o meu olhar marejado
era de chuva e riacho
e a tua alma de açude
era em nós um grande abraço.
Adeus, Nadim, obrigado!
Lá fora
O Ceará é uma janela
pequena de onde contemplo
um mundo e seus fastios.
Aproximo-me e repouso as mãos
em sua soleira
e mais se abre a visão
do que lá fora está.
Meus olhos pousam numa possível
alegria, num eco de um sonho,
numa palavra estrangeira,
num país azul.
Retornam com o perfume
das ervas machucadas
já ressequidas, perpassando
a tristeza do vento.
Acqua et umbra
Sob as águas recém-detidas
à sombra da oiticica
a pequena rã coaxa
e vislumbra entre os fios
da água caída da estação celeste
um canto orquestrado de tempo
e trovão.
A lua de março
se entrevê no espelho singelo das poças
e neste instante as lonjuras
das águas primevas se inauguram
na memória primitiva
desta província anterior.
LUCIANO MAIA (1949)
Nascido em Limoeiro do Norte, é advogado formado na UFC e cônsul honorário da Romênia. É basicamente poeta e tradutor, especialmente do romeno. Autor, dentre outras obras, de Jaguaribe - memória das águas (1994), Seara (1994) Nau capitânia (1987) e Rostro hermoso (1997). Membro da Academia Cearense de Letras, assim como seus dois irmãos, Napoleão e Virgílio Maia.
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