Farias Brito
Idealismo
A poesia leva ao idealismo.
Note-se, porém, que a palavra idealismo não é aqui empregada na acepção comum, não serve para representar um dos sistemas em voga da filosofia moderna. Por esta palavra empregada na falta de outra equivalente quero indicar uma das forças vivas do homem, a energia criadora do ideal. A poesia é justamente esta energia.
Bem sei que esta concepção vai de encontro às idéias comuns. Há sem dúvida aí um certo quê de extra-utilitário que não poderá agradar àqueles a quem o hábito das discussões positivas e a exageração pelo sistema materialista têm feito sectários da dogmática do egoísmo.
Sabe-se que é justamente este o característico predominante do pensamento moderno: nota-se na generalidade dos pensadores contemporâneos uma tendência bem pronunciada para o aniquilamento de todas as manifestações do espírito que não tiveram por fim a satisfação das necessidades físicas ou puramente intelectuais, isto é, que não tiveram por fim o conhecimento ou a economia.
Que temos nós com a magnitude do oceano, com a beleza dos campos, a suavidade das fontes, a delicadeza das flores, em uma palavra: que temos nós com a harmonia e os esplendores da natureza?
A vida é um conjunto de necessidades: todos os nossos esforços devem consistir em trabalhar para satisfazê-Ias, e os meios de trabalho reduzem-se a dois: a ciência e a indústria. Querer alguma coisa mais além disto é deixar o terreno sólido da realidade e perder-se no mundo da fantasmagoria. A poesia, portanto, do mesmo modo que todas as belas-artes em geral, não é senão uma divagação fora da natureza ou pelo menos sem aplicação útil no mecanismo da sociedade. É para a indústria, ou antes, para a arte, no sentido restrito da palavra (arte útil, manufatureira), o que é a teologia para a ciência. uma aplicação desnecessária da energia, um esforço no vácuo.
Por mais que pareça exagerada esta conclusão, é certo que está no espírito dos princípios professados por muitos autores que, entretanto, a cada instante se contradizem fazendo a apoteose da poesia e da literatura.
Spencer chegou ao ponto de afirmar que tudo quanto é estético
tem por caráter ser inútil. E Letorneau, citando esta passagem, conquanto reconheça que nunca sentença mais rigorosa foi lavrada contra a poesia e as belas-artes, todavia não deixa de reconhecer que esta sentença é em grande parte verdadeira.
Há mesmo uma escola de poesia ou literatura, com a dominação de escola realista, concepção inconseqüente e grosseira que em vez de ser qualquer modo de compreender a poesia é, pelo contrário, a negação de toda a poesia, como de todas as artes, do mesmo modo que o positivismo é a negação de toda a filosofia. Nasceu uma semelhante escola do ponto de vista utilitário originado preocupação das necessidades materiais; mas é o que já houve de mais extravagante na ordem das produções intelectuais. Não obstante esta monstruosa extravagância tem sido propagada com entusiasmo e calor e tem representante em toda a parte.
A verdade é que numa concepção rigorosamente utilitária da sociedade, a poesia, como as belas-artes em geral, não pode ter uma explicação verdadeiramente racional das funções que exerce. Desde que a utilidade é elevada à categoria de princípio último, fica perfeitamente e definitivamente estabelecida a dogmática do egoísmo. O egoísmo torna-se então o princípio diretor e regulador da evolução social. Como pode, pois, ser salva a poesia? Ela não aumenta o conjunto dos conhecimentos, nem concorre para a submissão da força da natureza. Para que serve, pois? Para ornamentação do espírito? A utilidade repele essa ornamentação luminosa, porém infecunda. Para disciplina? A verdadeira disciplina intelectual é a ciência. Se são, pois, unicamente estas as considerações que se podem fazer em favor da poesia, pode-se desde logo estabelecer que ela não escapa incólume ante o terrível - quem vem lá – hodierno da ciência e da crítica.
A poesia leva ao idealismo.
Note-se, porém, que a palavra idealismo não é aqui empregada na acepção comum, não serve para representar um dos sistemas em voga da filosofia moderna. Por esta palavra empregada na falta de outra equivalente quero indicar uma das forças vivas do homem, a energia criadora do ideal. A poesia é justamente esta energia.
Bem sei que esta concepção vai de encontro às idéias comuns. Há sem dúvida aí um certo quê de extra-utilitário que não poderá agradar àqueles a quem o hábito das discussões positivas e a exageração pelo sistema materialista têm feito sectários da dogmática do egoísmo.
Sabe-se que é justamente este o característico predominante do pensamento moderno: nota-se na generalidade dos pensadores contemporâneos uma tendência bem pronunciada para o aniquilamento de todas as manifestações do espírito que não tiveram por fim a satisfação das necessidades físicas ou puramente intelectuais, isto é, que não tiveram por fim o conhecimento ou a economia.
Que temos nós com a magnitude do oceano, com a beleza dos campos, a suavidade das fontes, a delicadeza das flores, em uma palavra: que temos nós com a harmonia e os esplendores da natureza?
A vida é um conjunto de necessidades: todos os nossos esforços devem consistir em trabalhar para satisfazê-Ias, e os meios de trabalho reduzem-se a dois: a ciência e a indústria. Querer alguma coisa mais além disto é deixar o terreno sólido da realidade e perder-se no mundo da fantasmagoria. A poesia, portanto, do mesmo modo que todas as belas-artes em geral, não é senão uma divagação fora da natureza ou pelo menos sem aplicação útil no mecanismo da sociedade. É para a indústria, ou antes, para a arte, no sentido restrito da palavra (arte útil, manufatureira), o que é a teologia para a ciência. uma aplicação desnecessária da energia, um esforço no vácuo.
Por mais que pareça exagerada esta conclusão, é certo que está no espírito dos princípios professados por muitos autores que, entretanto, a cada instante se contradizem fazendo a apoteose da poesia e da literatura.
Spencer chegou ao ponto de afirmar que tudo quanto é estético
tem por caráter ser inútil. E Letorneau, citando esta passagem, conquanto reconheça que nunca sentença mais rigorosa foi lavrada contra a poesia e as belas-artes, todavia não deixa de reconhecer que esta sentença é em grande parte verdadeira.
Há mesmo uma escola de poesia ou literatura, com a dominação de escola realista, concepção inconseqüente e grosseira que em vez de ser qualquer modo de compreender a poesia é, pelo contrário, a negação de toda a poesia, como de todas as artes, do mesmo modo que o positivismo é a negação de toda a filosofia. Nasceu uma semelhante escola do ponto de vista utilitário originado preocupação das necessidades materiais; mas é o que já houve de mais extravagante na ordem das produções intelectuais. Não obstante esta monstruosa extravagância tem sido propagada com entusiasmo e calor e tem representante em toda a parte.
A verdade é que numa concepção rigorosamente utilitária da sociedade, a poesia, como as belas-artes em geral, não pode ter uma explicação verdadeiramente racional das funções que exerce. Desde que a utilidade é elevada à categoria de princípio último, fica perfeitamente e definitivamente estabelecida a dogmática do egoísmo. O egoísmo torna-se então o princípio diretor e regulador da evolução social. Como pode, pois, ser salva a poesia? Ela não aumenta o conjunto dos conhecimentos, nem concorre para a submissão da força da natureza. Para que serve, pois? Para ornamentação do espírito? A utilidade repele essa ornamentação luminosa, porém infecunda. Para disciplina? A verdadeira disciplina intelectual é a ciência. Se são, pois, unicamente estas as considerações que se podem fazer em favor da poesia, pode-se desde logo estabelecer que ela não escapa incólume ante o terrível - quem vem lá – hodierno da ciência e da crítica.
RAIMUNDO FARIAS BRITO (1863-1917)
Nascido em São Benedito, bacharelou-se em Direito pela Faculdade do Recife, leciounou no Liceu do Ceará na Faculdade de Direito de Belém. Foi um dos maiores filósofos do Brasil, um dos fundadores da Academia Cearense de Letras, tendo sido, nas reformulações posteriores, promivido a patrono. Principais obras: A Filosofia como Atividade Permanete do Espírito Humano (1895), A Filosofia Moderna (1899), Evolução e Relatividade (1905) e as obras que formam a série Finalidade do Mundo: A Verdade como Regra das Ações (1905), A Base Física do Espírito (1912) e Mundo Superior (1914).
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